Do lado errado da história

Friday, September 29, 2023 by Rob Renouf

Na semana passada, o anúncio chocante do Governo do Reino Unido de que tem intenção de recuar em compromissos climáticos chave é um aviso para toda a gente. Até o progresso limitado que foi feito até à data em combater a emergência climática e ecológica (ECE) não pode ser tomado como garantido; aqueles que tentam bloquear e atrasar ação não descansam. Um planeta habitável é algo pelo qual temos de continuar a lutar.

Fotografia do sinal com o nome da rua no final da Downing Street emLondres - a residência oficial do Primeiro Ministro do ReinoUnido.

Downing Street, Londres - imagem fornecida por PublicDomainPictures de Pixabay

O que aconteceu?

Os últimos meses demostraram a disposição do Governo atual do Reino Unido para investir em políticas que prejudicam o clima. A aprovação de uma nova mina de carvão em Cumbria e licenças para extração no Mar do Norte seguiram em frente apesar de serem amplamente criticadas. Uma eleição suplementar onde se afirmou que a oposição à expansão da ULEZ (Zona de Emissão Ultra Baixa) de Londres afetou o resultado, levou o Primeiro Ministro (PM) a declarar que estava "do lado" dos motoristas. Verificou-se também que a implementação de limites de velocidade reduzidos em zonas urbanas em todo o País de Gales foi um tema controverso e polarizador. Tudo isto intensificou o debate acerca das políticas ambientais e dos seus custos; em particular, se estas poderiam ser usadas como uma questão bipolarizante para obter uma vantagem nas eleições gerais do Reino Unido que se aproximam.

Com o governo a apresentar maus resultados nas sondagens, uma atitude imprudente nesse sentido era sem dúvida tida como uma possibilidade; mesmo assim, o momento e a maneira como tudo aconteceu deixaram muitas pessoas confusas, incluindo membros do próprio partido do governo. O comunicado, que já estava planeado, foi antecipado à pressa depois de partes do discurso terem sido divulgadas, provocando indignação imediata. Enquanto os políticos de todo o mundo se reuniram nos escritórios da ONU em Nova Iorque para discutir como fazer mais para combater a crise climática, o Primeiro Ministro Britânico Rishi Sunak deliniava o o seu plano para fazer menos. As suas promessas de que o Reino Unido está no caminho certo para atingir as metas de emissões zero diretamente contradisseram o mais recente estudo, feito pelos próprios conselheiros independentes do governo. Numa reviravolta bizarra, Sunak também anunciou que estava a livrar-se de propostas que nunca sequer existiram.

O discurso foi condenado dentro e fora do Reino Unido por pôr em risco o futuro do nosso planeta por causa de vantagens eleitorais no curto prazo. A Extinction Rebellion (XR) não se revê em nenhum dos partidos ou advoga uma solução específica. No entanto, claramente existem políticas que (independentemente de quem as propõe) nos levam na direção de atingir as nossas exigências e outras que não - é claro que este comunicado se encaixa na segunda categoria. Também destaca problemas significativos, cujos impactos vão muito para além do Reino Unido.

Liderança global?

Embora a influência do Reino Unido no palco internacional tenha sem dúvida diminuído após o Brexit, o que acontece na Grã-Bretanha ainda tem consequências vastas. Por ser o berço da revolução industrial e umas das maiores fontes de emissões históricas, o Reino Unido tem uma responsabilidade única de estar na frente dos esforços para a descarbonização. O Reino Unido foi o primeiro país a introduzir metas de redução de carbono legalmente vinculativas. Em 2019 tornou-se o primeiro país a declarar uma emergência climática e a primeira grande economia a incluir na lei a obrigação de atingir emissões zero. Infelizmente, o Reino Unido tem subsequentemente falhado em fazer o suficiente para cumprir estas promessas; algo que vai ser exacerbado por esta última falha. O comunicado prejudica ainda mais a capacidade do Reino Unido de ser um líder global e estabelece um precedente extremamente perigoso. Muitos políticos por todo o mundo ficaram horrorizados e incrédulos com o anúncio da última semana. No entanto, outros irão com certeza observar de perto, numa tentativa de entender se podem seguir um caminho parecido para seu próprio benefício eleitoral.

Imagem da famosa ponte de ferro que atravessa o Rio Severn na vila deIronbridge, um local de património mundial considerado por muitas pessoascomo o berço da revoluçãoindustrial.

Ironbridge - berço da revolução industrial - imagem de ian kelsall tirada de Pixabay

Problemas com 2050 desmascarados

O consenso científico claro é que precisamos de reduzir as emissões de carbono o mais rapidamente possível. 2050 é um prazo completamente arbitrário, que de forma alguma representa um objetivo desejável ou seguro. A cada dia que passa, assistimos a provas horrendas do dano que já causamos ao nosso planeta, muito do qual será irreversível. Quanto mais cedo reduzirmos emissões, menos severas as consequências acabarão por ser. O discurso tentou justificar as alterações propostas com afirmação de que o Reino Unido está a frente de outros países e que pode dar-se ao luxo de abrandar, enquanto continua no caminho para atingir emissões zero até 2050. Este foi um exemplo inequívoco da meta de 2050 a ser usada para justificar atrasar o combate à Emergência Climática e Ecológica (ECE). Sejamos claros - nenhum país pode dar-se ao luxo de desacelerar o progresso.

"Mentiras, malditas mentiras e estatísicas"

Uma estatística frequentemente usada pelo Governo do Reino Unido para sustentar alegações de que é líder global nesta matéria é uma redução de quase 50% nas emissões desde 1990. Sabendo que este número não está errado, ele apresenta uma imagem incompleta, dado que é baseado em emissões territoriais. Estas são emissões que são geradas dentro das fronteiras territoriais de um país e excluem aquelas associadas à importação de bens e viagens aéreas internacionais. O Reino Unido importa uma quantidade muito maior de bens do que aquela que exporta, e um estudo de 2019 mostra que a população do Reino Unido apanha mais voos internacionais do que a população de qualquer outro país (número total, não só per capita). Por isso, não é difícil ver porque é que a estatística das emissões territoriais é a medida favorita do Governo do Reuno Unido. O problema é que isso subestima em larga escala o impacto ambiental do Reino Unido e facilita o desvio de culpa para países como a China, que produzem e exportam bens para satisfazer a procura do Reino Unido. Afirmar que o Reino Unido é responsável por apenas 1% das emissões globais também ignora o papel preponderante que este tem no financiamento de combustíveis fósseis. Um relatório de 2021 descobriu que as instituições financeiras do Reino Unido são responsáveis por 1,8 vezes as emissões anuais do país.

Uma imagem, a apontar para cima, da fachada de um arranha-céus na cidadede Londres. A fachada espelhada reflete os edifícios do outro lado daestrada, um dos quais é a sede da Lloyd's ofLondon.

Edifícios na cidade de Londres - imagem de Joe retirada de Pixabay

A famosa citação no subtítulo não deve ser mal interpretada ao concluir que estatísticas são apenas outra forma de mentir e que não devemos confiar nelas de todo. Estatísticas precisas têm um papel fundamental a desempenhar na melhoria da nossa compreensão e em ajudar-nos a tomar decisões. Ainda assim, temos de estar alerta quanto à maneira como as estatísticas podem ser manipuladas e usadas seletivamente com o intuito de criar uma imagem muito enganadora. Muitos políticos e empresas por todo o mundo são acusadas de fazer exatamente isto, para criar a impressão de que estão a fazer muito mais para abordar a ECE do que fazem na realidade.

O Primeiro Ministro protesta em demasia, creio

No discurso, foi alegado repetidamente que as mudanças representam uma rejeição de pensamento a curto prazo. Isto foi provavelmente uma admissão de que o ganho a curto prazo parecia ser a motivação principal. Algumas sondagens recentes sugerem que certos eleitores chave, que o governo precisa para manter o poder, estariam recetivos à diminuição de alguns compromissos com as emissões zero. Uma das questões identificadas é a preocupação com os custos. Ao longo do discurso, o ênfase excessivo nos custos aparentou ser cinicamente direcionado a esses eleitores. É difícil ver tudo isto de outra forma que não um exemplo claro de conveniência política de curto prazo a guiar as políticas implementadas, em vez de serem tomadas decisões que são as melhores no médio e longo prazo. Também ilustra como o nosso atual sistema político cria incentivos para dar mais prioridade a ganhar as próximas eleições do que fazer o que é de facto o melhor para o futuro de todas as pessoas.

Imagem de um par de tubos de escape, em grande plano, de um carro agasóleo.

O Governo do Reino Unido atrasou a data para eliminar gradualmente os carros a gasóleo e gasolina - Imagem de Andreas Lischka retirada de Pixabay

A XR é a favor de assembleias de cidadãos como um mecanismo para informar e involver pessoas normal no processo de tomada de decisão. Podes ler mais sobre como estas podem ajudar a abordar problemas nos nossos sistemas políticos neste blog escrito por um convidado.

Guerras de cultura e desinformação

O Governo do Reino Unido foi criticado por tornar político o trabalho dos seus próprios conselheiros políticos independentes, o Comité para as Alterações Climáticas. Qualquer tentativa para enfraquecer a legitimidade de fontes de informação, mesmo as mais fidedignas e confiáveis, mostra uma tendência preocupante que não ocorre apenas no Reino Unido. A primeira exigência da XR é que os governos digam a verdade sobre a ECE e sobre os passos necessários para a combater. Em 2018, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) avisou que para limitar o aquecimento global seriam necessárias "mudanças rápidas, abrangentes e sem precedentes em todos os aspetos da sociedade". Muitas pessoas têm preocupações não só com a ECE, mas também com o impacto que ela terá nas suas vidas. Na falta de fontes credíveis, estes medos podem ser explorados e a desinformação consegue prosperar.

Em muitos casos, aqueles que são mais gravemente afetas pela ECE são aqueles que menos contribuíram para a criar. É essencial que a justiça climática esteja presente em todas as soluções. Precisamos de uma transição justa, que nos ajude a reduzir e acabar com desigualdades, em vez de as agravar. O apoio à ação climática corre o risco de ser minado pela preocupação de que os impactos não sejam partilhados de forma justa. O discurso da última semana foi criticado por conter numerosas alegações enganadoras sobre os curtos e as mudanças que poderão ser impostas. Sugeriu que aqueles que pedem medidas mais rápidas são motivados por "fervor ideológico" e não estão preocupados com custos e a disrupção na vida das famílias; aparentemente mais interessado em promover divisão do que aproximar as pessoas. Também avisou que avançar demasiado rápido correria o risco de perder o apoio popular, mas ainda assim não mencionou projeções de que atrasar as medidas seria muito mais custoso. Nunca é demais salientar a irresponsabilidade dos políticos que deliberadamente contribuem para a desinformação e medo, apenas para ganhos políticos de curto prazo.

Quem dá as ordens?

A maneira com o lobistas da indústria dos combustíveis fósseis consegues influenciar decisores políticos é um problema global. Em nenhuma parte do mundo isto é mais evidente do que na COP28, que será presidida pelo Presidente Executivo da Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi

  • é difícil imaginar um conflito de interesses mais óbvio que este. O atual governo do Reino Unido fez poucos esforços para esconder as suas relações com os ‘think tanks’ da Tufton Street. Estes think tanks estão são altamente cuidadosos sobre revelar os seus financiadores, mas é extremamente claro quem é que o seu trabalho beneficia. O Governo do Reino Unido tem introduzido legislação anti-protesto cada vez mais draconiana, que tem sido associada a estes grupos. Defensores do clima no Reino Unido têm sido presos por mencionar a emergência climática na sua defesa em tribunal. Foi instaurado um processo por desacato ao tribunal contra um manifestante pelo simples facto de [segurar um cartaz] (https://goodlawproject.org/solicitor-general-launches-proceedings-for-holding-a-placard/) à porta de um tribunal a lembrar os jurados que podiam agir de acordo com a sua consciência. É claro que a influência destes lobistas é extremamente prejudicial tanto para para a democracia como para o nosso planeta.

Imagem do mar a partir da costa escocesa - o horizonte é dominado por meiadúzia de plataformas petrolíferas e outrasestruturas.

Plataformas petrolíferas na Escócia - imagem de Elliott Day retirada de Pixabay

Age agora

Os políticos que enganam o público e atrasam a ação climática para obter ganhos eleitorais a curto prazo não são melhores do que as empresas petrolíferas que tinham conhecimento, mas [esconderam a verdade] (https://www.theguardian.com/business/2023/jan/12/exxon-climate-change-global-warming-research) sobre os danos que estavam a causar. O veredito da história sobre aqueles que continuam determinados a continuar neste caminho ecocida não será gentil. Infelizmente, a ideia de serem vistos como os piores criminosos da história não parece ser suficiente para os dissuadir. A sua relutância em mudar de rumo significa que cabe a pessoas comuns como nós fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para os impedir. A história mostra-nos que o progresso é quase sempre conquistado e temos de continuar a lutar por ele. Junta-te a nós na luta para salvar o nosso planeta ou faz um donativo para apoiar o nosso trabalho.

Imagem de um cartaz numa manifestação climática - uma caveira e ossoscruzados pretos, com "CO2" nos olhos, está em cima de uma sirene. Esta, porsua vez, está por cima de sinais de aviso com as palavras "wake up!"("acorda!") e "climate emergency" ("emergênciaclimática").

Cartaz de protesto - Imagem de Kevin Snyman retirada de Pixabay


Sobre a Rebellion

Extinction Rebellion é um movimento descentralizado, internacional e politicamente não-partidário que usa a ação direta não-violenta e a desobediência civil para persuadir os governos a agir de forma justa em relação à Emergência Climática e Ecológica. O nosso movimento é feito de pessoas de todos os sectores da sociedade, contribuindo de formas diferentes com o tempo e a energia que podem dedicar. Temos um ramo local muito perto de ti, e adoravamos ter notícias tuas. Participa …or considera fazer uma doação.