Esta carta contém as opiniões pessoais de três co-fundadores da Extinction Rebellion. A XR Global Support acredita que será de interesse para os rebeldes de todo o mundo e suscitará um debate importante sobre a forma como nos adaptamos a um mundo em rápido aquecimento.
Dizer a verdade significa estar pronto a aceitar quando se foi desviado do seu caminho, quando se enganou nas coisas e, por isso, tem de modificar os seus pontos de vista. Cinco anos após o lançamento de Extinction Rebellion, o mundo em que vivemos está a mudar tão perigosamente rápido que exige que revisitemos as nossas suposições e aprendamos algumas lições dolorosas. Está claro agora que em 2023 é muito provável que se registe uma média de mais de 1,5 °C acima dos níveis de 1850-1900. As emissões continuam a aumentar a nível mundial. É apenas através do compromisso com a verdade que poderemos ajudar a humanidade e a vida em geral, à medida que entramos numa nova e perturbadora era.
Nós erramos. Fomos enganados. Por isso, também enganamos vocês. A poluição por aerossóis tem importância decisiva no nosso clima global. Existem outros fatores que merecem uma atenção mais séria, como a semeadura de nuvens florestais e a saúde dos oceanos. Muitos fatores foram postos de lado pelos cientistas que se concentraram exclusivamente no CO2. Além disso, os processos do PIAC não encontraram uma forma adequada de abordar questões de risco extremo em que os dados eram considerados insuficientes ou em que havia maior incerteza *, como os aerossóis, a libertação de metano do permafrost e as reações de retroalimentação por incêndios florestais ou secas que tornam os sumidouros incapazes de manter o seu papel no sistema. Isto induziu em erro outros cientistas, acadêmicos e ativistas, incluindo nós.
Alguns de nós tem tentado, ao longo dos anos, comunicar responsavelmente os riscos extremos e em cascata e as consequências graves de não tomar medidas de emergência. Apesar de fundar o movimento com base no princípio da precaução, nos vemos abatidos. Por anos fomos moderados e criticados por especialistas de disciplinas estreitas, que demandaram alterações em nossos comunicados de imprensa, nossas aulas e que suavizações da realidade e da velocidade em potencial das consequências catastróficas. Ao passo que entramos no horror de um mundo 1.5° mais quente, pelo menos 10 anos antes das previsões mais pessimistas oficiais, percebemos que deveríamos ter sido mais firmes em nossas posições. Enquanto observamos os mais renomados climatologistas afirmando ser necessário esperar décadas antes de aceitar que o planeta está 1.5° mais quente, percebemos que o silencio sobre a nossa discordância não é mais uma opção para nós ou para o movimento climático.
Entender com essa repressão aconteceu é importante. Recebemos de braços abertos quaisquer climatologistas profissionais, acadêmicos e jornalistas que desmentiram nossas comunicações em público e que queiram fazer as pazes, especialmente ao passo em que eles influenciaram as atitudes entre aqueles que nos julgam. Mas, mais importante, pelo bem da vida na Terra, precisamos atacar essa emergência com olhos bem abertos para tudo que precisamos fazer daqui em diante. O aquecimento rápido e os eventos extremos do último ano demonstram que as predições gerais da ciência climática institucionalizada estavam menos acuradas que as conclusões de pesquisadores generalistas e ativistas climáticos, que perceberam melhor os sinais assustadores, além dos conluios, hierarquias e privilégios. Notavelmente, economistas, políticos e consultantes puxaram a conversa no sentido oposto do que era preciso. Por serem portadores de uma identidade associada à 'autoridade', eles não foram desafiados o suficientes por jornalistas, leigos ou ativistas.
O XR sempre foi sobre responder ao todo da emergência climática, não apenas ao clima. Precisamos tornar isto de novo prioridade, tanto pelo clima quanto pela natureza. Precisamos priorizar a preservação e crescimento de florestas, aprender a restaurar o papel do oceano como modulador atmosférico, experimentar com clareamento de nuvens marinhas no Ártico e explorar todas as opções de restauração e esfriamento climático, e até considerar reverter regulações recentes sobre combustíveis de envio, se essas estão causando um ‘choque de terminação’ de aerossóis. Ao mesmo tempo precisamos rejeitar a mentira de que as sociedades de consumo alto não precisam diminuir de forma equitativa, com os ricos começando primeiro. Desperdiçamos quantidades imensas de energia, o que é inadmissível nestas circunstâncias. O grito amotinado que vem aqui é que nós Precisamos Parar com Petróleo, acabar com a era dos combustíveis fósseis e precisamos começar o conserto do Planeta Terra, nossa única casa.
Estamos adentrando uma nova era para a humanidade e as perspectivas são assustadoras. Nos comprometemos cinco anos atrás em Outubro de 2018 a viver com a verdade. Nossos movimentos precisam olhar diretamente para a verdade e agir de acordo com a realidade. Isso significa estar em resistência, se posicionando por paz, justiça e liberdade.
Assinado: Clare Farrell, Gail Bradbrook, Roger Hallam.
Outubro 2023
*Uma nota de rodapé no IPCC AR6 SPM: "Os níveis de aquecimento >4 °C podem resultar de cenários de emissões muito elevadas, mas também podem ocorrer em cenários de emissões mais baixas se a sensibilidade climática ou as reações do ciclo do carbono forem superiores à melhor estimativa. {3.1.1}"
